- “Sou um guardador de rebanhos,
- O rebanho é os meus pensamentos
- E os meus pensamentos são todos sensações.
- Penso com os olhos e com os ouvidos
- E com as mãos e os pés
- E com o nariz e a boca.
- Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
- E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
- Por isso quando num dia de calor
- Me sinto triste de gozá-lo tanto,
- E me deito ao comprido na erva,
- E fecho os olhos quentes,
- Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
- Sei a verdade e sou feliz.”
- “Olá, guardador de rebanhos,
- Aí à beira da estrada,
- Que te diz o vento que passa?
- Que é vento, e que passa,
- E que já passou antes,
- E que passará depois.
- E a ti o que te diz?
- Muita cousa mais do que isso.
- Fala-me de muitas outras cousas.
- De memórias e de saudades
- E de cousas que nunca foram.
- Nunca ouviste passar o vento.
- O vento só fala do vento.
- O que lhe ouviste foi mentira.
- E a mentira está em ti.”
- (Cantos IX e X, de “O Guardador de Rebanhos”, 1914)
Alberto Caeiro foi o primeiro heterônimo a surgir – e o único a morrer (de tuberculose) por obra do seu criador. Deixava confuso Fernando Pessoa, homem da cidade, exatamente por ter enorme apego ao campo, à natureza, a ponto de ter escrito um longo poema chamado “O Guardador de Rebanhos”. Mesmo assim, Pessoa o elegeu mestre dos heterônimos. Apoiada na experiência sensorial, sua poesia procura alcançar um ideal: desaprender o foi aprendido para poder conhecer a si mesmo, ao outro e ao mundo. Para saber mais sobre Fernando Pessoa e seus heterônimos, leia a entrevista com Fernando Segolin, professor de Pós-Graduação de Literatura e Crítica Literária da PUC-SP e “pessoano” por excelência